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A Água como Reagente

As decisões médicas precisam não somente do resultado do teste, mas na associação de sua história clínica com os sintomas. A qualidade dos resultados laboratoriais depende da credibilidade da instrumentação e da qualidade da água. Fatores analíticos tem a necessidade de serem controlados e otimizados para reduzir o número de prováveis falhas que possam se refletir nos resultados.

A água é o suprimento de menor custo, reagente importante e o mais utilizado em laboratório clínico. Devido ser um item de baixo custo, a qualidade da água é quase sempre negligenciada.

Devido à natureza química de sua molécula, as propriedades físicas e químicas da água diferem muito das de qualquer outra substância. Uma característica da água, no estado líquido, é a sua capacidade de dissolver substâncias polares ou iônicas para formar soluções aquosas. Ela tem forte poder de dissociação e, como consequência, o material dissolvido aumenta bastante a condutividade da água. Devido à sua capacidade térmica ser elevada (1 cal/oC), ela é capaz de adquirir ou perder muito mais calor que outras substâncias comuns, quando submetida à mesma temperatura.

No laboratório, a água tem diversas aplicações, como: reconstituição de reagentes, padrões e controles, diluições, brancos, preparação de soluções de enxágue e de tampões, confecção de meios de cultura, alimentação de analisadores automatizados, lavagem, sanitização e recuperação de utensílios. Com isso, esse fator analítico precisa ser controlado e otimizado para reduzir erros potenciais e garantir a qualidade dos resultados.

A água a ser utilizada no laboratório deve ser purificada para que não produza interferências nos testes ou ensaios. A purificação consiste na eliminação de todas as substâncias dissolvidas e suspensas na água e há vários processos de purificação disponíveis para utilização no laboratório. O processo de purificação não é específico e pode ser decorrente de uma combinação de métodos para que atenda às especificações de qualidade da água. Existem vários métodos para remoção de impurezas, por isso é necessário recorrer a uma combinação de tecnologias, associando suas vantagens, a fim de se obter uma água de alta qualidade.

Tabela 1: Vantagens e desvantagens dos métodos de purificação

Os processos de purificação são:

  • filtração – processo de separação de partículas contaminantes presentes na água por meio da utilização de um material poroso, como filtros de carvão ativado ou de celulose.
  • destilação – é usada para separar misturas homogêneas do tipo sólido-líquido, nas quais os componentes têm pontos de ebulição diferentes. O vapor da água aquecida é condensado, coletado e armazenado, removendo grande parte dos contaminantes;
  • desinfecção por sistema ultravioleta (UV) – a água circula no reator de esterilização. Em contato com a luz, os microrganismos são inativados pela luz UV (na faixa de 250 a 270 nm), resultado do dano fotoquímico ao ácido nucleico.
  • deionização – é utilizada para remoção de substâncias inorgânicas, empregando-se colunas com resinas carregadas eletricamente, que permitem a troca seletiva de íons por compostos inorgânicos dissolvidos na água;
  • eletrodeionização – é um processo contínuo, em que a água passa em canais, migrando para o canal de eletrodo, seguindo através de membranas permeáveis a ânions e cátions (canais de purificação) e, por fim, pelo canal de concentração. O campo elétrico criado faz que os íons removidos transitem por canais em que ficam concentrados, enquanto o produto transita por outro canal e é estocado. Para evitar a precipitação de carbonato de cálcio ou magnésio, existem partículas de carvão ativado entre as resinas de troca iônica que são continuamente regeneradas pela corrente elétrica;
  • microfiltração e ultrafiltração – a membrana, que é colocada na saída do sistema de purificação, não permite que quaisquer partículas acima de 0,22 µm a atravessem, promovendo uma filtração esterilizante, como é o caso da microfiltração. Mais recentemente, a ultrafiltração foi proposta como uma forma de eliminar outros contaminantes não eliminados pela microfiltração, pois os poros do filtro são menores, variando de 25 a 3 kDa;
  • osmose reversa – é o processo de passagem de água através de uma membrana semipermeável em um sistema de alta pressão, que força sua passagem pela membrana, retendo partículas, compostos orgânicos e bactérias.

A tabela a seguir relaciona os procedimentos de purificação da água e sua eficiência na remoção dos principais interferentes.

Tabela 2: Principais contaminantes e eficiência da purificação. E = excelente; B = boa; P = pobre (remoção pequena ou nula)

A cada novo lote, a água purificada para uso no Laboratório Clínico, deve ser submetida ao controle da qualidade devendo ser testada. A água de uso no laboratório pode ser classificada em função da concentração de contaminantes mais importantes. As especificações estabelecidas no momento da produção da água, são:

Tabela 3: Classificação do tipo de água. ufc – unidade formadora de colônias; m – megaohms; μS – microsiemens; NI – Não Indicado; ARLC = Água Reagente para Laboratório Clínico

Controle de qualidade da água reagente

O monitoramento da qualidade da água, deve obedecer a um padrão de controle de qualidade rigoroso, conforme descrito abaixo.

  • Resistividade e condutividade: úteis para mensurar a quantidade de contaminantes iônicos presentes na água, mede indiretamente os sólidos totais dissolvidos. As medidas da resistividade e a condutividade de uma amostra de água reagente devem ser feitas diariamente conforme descrito nas normas CLSI.
  • Determinação de TOC (Total Compostos Orgânicos): o carbono total (CT) é definido pela quantidade de gás carbônico (CO2) produzido, quando uma amostra é oxidada por completo, e inclui a matéria orgânica dissolvida e o carbono inorgânico (CI). O aumento do TOC inativa reagentes por ação enzimática, promovendo bloqueios dos filtros e restrição do fluxo e proporcionando paradas para a manutenção. A análise do TOC deve ser realizada mensalmente para garantir a ausência de moléculas orgânicas.
  • Controle microbiológico: a água de alimentação pode formar biofilmes, que interferem nos resultados de exames laboratoriais e degradam equipamentos pela biocorrosão. O biofilme é fonte de endotoxinas e polissacarídeos, gerando a contaminação e a perda da pressão da água. São realizados por meio da técnica de contagem de bactérias heterotróficas (THPC), em que o valor obtido é uma aproximação do número de microrganismos viáveis presente no sistema de purificação. As metodologias utilizadas são as técnicas de espalhamento em placa, de membrana filtrante e por microscopia de epifluorescência. O controle microbiológico deve ser feito semanalmente.
  • Endotoxinas: constituem o maior componente lipídico da membrana externa de bactérias Gram-negativas, que as liberam em seu meio circundante durante sua multiplicação ou quando morrem. As endotoxinas adsorvem-se de modo variado à maioria das superfícies, incluindo o carvão ativado e as resinas. A detecção e/ou a quantificação dos níveis de endotoxinas pode ser feita por teste do coágulo, turbidimetria ou técnica cromogênica.

Conclui-se que a implantação das boas práticas no laboratório clínico é essencial em função das exigências normativas e da qualidade do teste analítico.

Por Giselle Marques – Application Specialist

Referências:

BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Dispõe sobre regulamentação técnica para funcionamento de laboratórios clínicos. Resolução da Diretoria Colegiada, RDC no 302, 2005.

CLSI – Clinical and Laboratory Standards Institute. Preparation and testing of reagent water in the clinical laboratory. Approved guideline. 4th ed. CLSI document C3-A4 [ISBN 1-56238-610-7], 2006.

Mendes, Maria Elizabete et al. A importância da qualidade da água reagente no laboratório clínico. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial [online]. 2011, v. 47, n. 3 [Acessado 19 janeiro 2022], pp. 217-223. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1676-24442011000300004>. Epub 08 Ago 2011. ISSN 1678-4774. https://doi.org/10.1590/S1676-24442011000300004.