Marcadores Hepáticos Bioquímicos
O uso de testes bioquímicos séricos tem um papel importante no diagnóstico e tratamento das doenças hepáticas. No entanto, um teste isolado fornece informações limitadas, as quais devem ser avaliadas no contexto da história e do quadro clínico do paciente. Os testes bioquímicos do fígado consistem em marcadores de lesão hepatocelular (aminotransferases e fosfatase alcalina), testes de metabolismo hepático (bilirrubinas) e testes de função sintética hepática (albumina sérica e tempo de protrombina [TP]).
MARCADORES DE LESÃO HEPÁTICA:
O fígado contém uma alta concentração de enzimas, algumas das quais estão presentes no soro em concentrações muito baixas. A ocorrência de lesão na membrana do hepatócito leva ao extravasamento dessas enzimas no soro, o que resulta em aumento da concentração sérica dentro de algumas horas após o dano hepático. Os testes de enzimas séricas podem ser categorizados em dois grupos: enzimas cuja elevação reflete dano generalizado dos hepatócitos (aminotransferases) e enzimas cuja elevação reflete principalmente colestase (Fosfatase alcalina, gamaglutamiltransferase ou gamaglutamiltranspeptidase -GGT).
As aminotransferases (anteriormente chamadas de transaminases) são indicadores sensíveis de lesão dos hepatócitos. Consistem em aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT). A AST é encontrada, em ordem decrescente de concentração, no fígado, músculo cardíaco, músculo esquelético, rins, cérebro, pâncreas, pulmões, leucócitos e eritrócitos. Já a ALT está presente em maior concentração no fígado, sendo assim, um marcador mais específico para lesão hepática.
A Fosfatase alcalina, representa um grupo de enzimas presentes em praticamente todos os tecidos. Apresenta quatro subtipos de acordo com sua localização (intestinal, placentária, fígado,osso e rim). Como a fosfatase alcalina está presente em diferentes tecidos, elevações isoladas nem sempre significam doenças do fígado. Doenças ósseas, do intestino delgado e até mesmo a gestação podem causar aumento isolado. O principal valor da fosfatase alcalina sérica no diagnóstico de doenças hepáticas está no reconhecimento da doença colestática. Em pacientes com colestase, a fosfatase alcalina é tipicamente elevada em pelo menos quatro vezes o limite superior da normalidade
A GGT é uma enzima presente nos hepatócitos e nas células epiteliais biliares, bem como nos rins, próstata, pâncreas, baço, coração e cérebro. Serve para se saber se existe alguma lesão orgânica, intoxicação por drogas e/ou medicamentos, abuso de álcool ou doenças do pâncreas.
A desidrogenase láctica (LDH) é uma enzima citoplasmática presente nos tecidos de todo o corpo. Este teste não é tão sensível quanto as aminotransferases séricas na doença hepática e tem baixa especificidade diagnóstica. É mais útil como marcador de hemólise. Encontra-se elevada em casos de hepatite isquêmica e, quando acompanhada de elevação de FA-Fosfatase alcalina , sugere infiltração maligna do fígado.
TESTES DE METABOLISMO HEPÁTICO:
Bilirrubinas: a ruptura das hemácias libera a hemoglobina, que é captada pelo sistema retículo-endotelial do fígado, baço e medula óssea, sendo transformada pela hemeoxigenase em biliverdina. A biliverdina-redutase converte a biliverdina em bilirrubina livre. Essa forma de bilirrubina é denominada não conjugada ou indireta (BI) e é lipossolúvel. A BI liga -se à albumina, forma pela qual é transportada no plasma, captada pelo hepatócito e transportada ao retículo endoplasmático, onde é convertida pela ação da enzima uridina difosfataseglicuronosil-transferase em bilirrubina conjugada ou direta (BD). A BD é transportada através da membrana canalicular para a bile, sendo uma das etapas mais susceptíveis de comprometimento na vigência de lesão hepática. Uma vez excretada do hepatócito para o canalículo biliar, a BD é transportada por meio da bile, pelas vias biliares, para o duodeno.
Aumentos da BI podem ser decorrentes do aumento de sua produção, diminuição da sua captação e/ou conjugação pelo hepatócito, enquanto aumentos da BD são geralmente devido a disfunção hepatocelular ou biliar. No período neonatal, pode haver aumento fisiológico da BI. Entretanto, recomenda-se dosar as bilirrubinas totais e frações em todas as crianças que permanecem ictéricas após a segunda semana de vida. De modo diferente da hiper bilirrubinemia indireta, que pode ser fisiológica, a elevação da BD correlaciona-se sempre com estados patológicos e traduz a diminuição da secreção biliar por doença hepatocelular ou biliar, ou seja, colestase. Todo recém-nascido ou lactente que apresente BD > 1,0 mg/dL merece investigação diagnóstica. Este é um quadro que representa uma urgência e deve ser identificado precocemente pelo pediatra. A concentração normal de bilirrubina sérica total é menor que 1 mg/dL. A fração direta corresponde até 30% do total, ou, 0,3 mg/dL.
TESTES DE FUNÇÃO SINTÉTICA DO FÍGADO:
Albumina: a albumina é a mais abundante proteína plasmática, sendo responsável por 80% da pressão osmótica do plasma. Devido a sua meia-vida longa, de cerca de 21 dias, seus níveis podem não ser afetados nas doenças agudas hepáticas, como hepatite viral ou insuficiência hepática de qualquer etiologia. Na cirrose ou doença hepática crônica, a albumina sérica baixa pode ser um sinal de doença hepática avançada. No entanto, a albumina sérica baixa não é específica para doença hepática e pode ocorrer em outras condições, como desnutrição, infecções, síndrome nefrótica ou enteropatia perdedora de proteína. As concentrações séricas normais de albumina encontram-se entre 3,5 g/dL e 5,0 g/dL.
Tempo de protrombina: o TP e o RNI (relação normatizada internacional) medem a atividade dos fatores de coagulação I, II, V, VII e X, que são todos sintetizados no fígado e dependentes da vitamina K para síntese. Os fatores de coagulação têm meia-vida muito mais curta do que a albumina. Por isso, o TP/RNI é a melhor medida da função sintética do fígado em quadros agudos. Prolongamento do TP de mais de 5 segundos acima do valor de controle (RNI > 1,5) é sinal de mau prognóstico da doença hepática e um fator importante para definir prioridade do transplante hepático. Não é um indicador sensível nas doenças hepáticas crônicas, pois mesmo em casos de cirrose severa, os níveis podem ser normais ou discretamente alargados. A deficiência de vitamina K também causa prolongamento no TP, podendo ser decorrente de desnutrição, má absorção e colestase grave com incapacidade de absorver vitaminas lipossolúveis. A administração de vitamina K pode ajudar a distinguir a deficiência de vitamina K da disfunção dos hepatócitos, pois a reposição resulta na correção do TP no caso da deficiência de vitamina K, mas não na disfunção hepática.